sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

¡ Ay de mi llorona! No sabe lo que es martirio

cereja na língua

Na noite limite
o desejo do homem triste
concebeu
à míngua
cereja na língua
No homem que finda
o desejo do infinito
fez surgir
como saída
cereja na língua
Do desejo alucinante
de uma noite faminta
nasceu
no homem sedento
cereja na língua

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Outono

Faz frio, estou sentada no banco da praça, ao meu lado uma árvore desfolhada. Ao longe, homens protegidos em seus carros. Eles também estão sentados, porém, correm. Os homens e os carros estão sempre indo apressadamente para algum lugar cumprir os itens da lista vitalícia de procedimentos. A paisagem externa se choca no vidro intransponível dos carros e eles não vêem. E tudo se mistura em homens prédios lixos crianças construções casas ônibus boutiques mulheres cachorros motocicletas mendigos malabaristas praça árvore banco e eu. No final do dia, o mundo não foi visto.
Estranho-me aqui parada assistindo ao movimento do mundo. Estranharia-me se me movesse com ele sem poder assisti-lo. Com este estranhamento perturbador, entro e saio da cegueira, oscilando entre o plano que revela e o plano que esconde; entre o instante que liberta e o instante que aprisiona.
Sei que houve o tempo da unidade, isto é, quando eu era a paisagem em movimento. Mas, não existe mais a menina de pele queimada pelo sol que corria continuamente para lugar algum e que, às vezes, parava para respirar melhor. Não existe mais a menina que sorria sem um correspondente à altura. Não existe mais a menina descalça que sentia a agradável sensação dos pés sobre o chão de folhas, sem saber que o chão de folhas sob os pés causam uma boa sensação. Para a morte da menina, o nascimento da mulher . Para esta , deram a lista de procedimentos vitalícios a serem cumpridos. Para aquela, um depósito rotulado ‘estrato morto’.
É quase inverno e faz frio. Posso ver os carros velozes na avenida zombarem dos séculos de lentidão. Sob as rodas: o asfalto concreto. Um carro atrás do outro, sempre um carro atrás do outro, como se o caminho fosse o mesmo para todos.

O que conduz esses homens? 
Depois do primeiro verbo, várias vozes que gritam palavras, comportamentos, normas, tradições, e, sobretudo, gritam em favor do silêncio omisso. São os desmedidos gritos que conduzem esses homens ao universo cérceo. É uma realidade decorativa e dolorosa para aonde os homens são conduzidos.
O silêncio é imensurável diante dos sons dos motores, das frases feitas, das palavras ludibriantes, da comunicação fracassada, dos sorrisos fingidos, dos apelos ignorados, da automatização dos dias, dos repetidos choros e de todos os ruídos da multidão.
Na praça ainda há a sombra de mulheres com seus homens e seus cachorros, todos num único sorriso estranho que nasce nos lábios e obriga a alma a aceitá-lo resignadamente. A voz de namorados que trocaram juras e viraram mais uma página da lista vitalícia. A presença do velho que conhece o conceito da eterna ruína, mas silencia para não manchar a ilusão alheia.
Estou sentada no banco e o horizonte já foi visto.